Lato sensu ou sem senso?

A expressão lato sensu vem do latim e significa interpretar uma situação em sentido amplo, abrangente. Não à toa, é vocábulo constante do direito e pressupõe a tarefa básica dos juristas de análise prévia e julgamento assertivo. Já, o termo “sem senso” vem da linguagem popular e expressa uma reação inadequada, sem baseamento teórico e que pode beirar a antiética, quando contextualizado no âmbito profissional. O grande problema está no choque entre esses termos e nos respingos na imagem profissional de quem deveria ser precursor legal da constituição e da ordem democrática. A comemoração do Dia do Advogado chama a importantes reflexões a cerca da formação desses profissionais. Afinal, qual o perfil adequado do graduando em direito e como suas ações pessoais interferem em seu posicionamento social pós-formatura? Quais as posturas adequadas a um advogado?

Situações limítrofes eticamente contestam qual é a margem que separa os aspectos pessoais e profissionais dos futuros bachareis. Mais que meros alunos, formam um seleto grupo intelectual com a obrigação de entender o presente momento social e agir como referência de ordem coerente à figura de futuros advogados, promotores e juízes que poderão ser.

As noites mal dormidas, recitais de parágrafos, incisos do vade mecum e a atualização constante das legislações vigentes formam os desafios dos graduandos que, ao longo do curso, se desenvolvem como pessoas e profissionais. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que o entendimento do direito promove mudanças significativas na visão de mundo dos estudantes e que, ao final da graduação, apresentam perfil mais progressista. Os números são interessantes: 76% dos entrevistados têm preferência políticas para atuação; 72% são favoráveis a união homoafetiva; e 58% apoiam a diminuição da maioridade penal.

Os mais diversos rankings de mapeamento das profissões do futuro apontam a advocacia como destaque, em particular, nas especializações focadas no mundo virtual e empresarial. Diante das perspectivas cada vez mais globalizadas, o Brasil surpreende nesse animador cenário e desponta como uma nação que possui mais faculdades de direito que todos os outros países juntos. Os 1240 cursos de formação de ensino jurídico espalhados por todo território nacional superam as 1100 faculdades das demais nações do globo, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Se por um lado, as oportunidades batem a porta, por outro, o grande número de instituições anunciadas também preocupa e o velho dogma de que quantidade não quer dizer qualidade retoma seu lugar nas cadeiras jurídicas. Para se ter uma noção das atuais circunstâncias, cerca de 3 milhões de bacharéis brasileiros não são inscritos na Ordem dos Advogado do Brasil (OAB) por terem sido reprovados no Exame Nacional da Ordem, obrigatório para o exercício da profissão. O próprio CNJ reconhece que mais de quatro milhões de estudantes brasileiros da área não têm na grade curricular o ensino das técnicas de mediação, arbitragem e conciliação, refletindo o espírito litigioso, discursivo e inflexível observado nos integrantes da justiça nacional.

Sem senso é ignorar a necessidade de capacitar os estudantes para além da formação acadêmica. Lato sensu é adotar um posicionamento crítico, diante do papel desempenhado até agora e o ideal para a formação de uma sociedade mais justa e ética.